quinta-feira, 19 de junho de 2014

As 4 Regras do Discurso do Método em Descartes

O Discurso sobre o método, por vezes traduzido como Discurso do método, ou ainda Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência (em francês, Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences) é um tratado matemático e filosófico de René Descartes, publicado em Leiden, na Holanda, em 1637. Ele inicialmente apareceu junto a outros trabalhos de Descartes, Dioptrique, Météores e Géométrie. Uma tradução para o latim foi produzida em 1656, e publicada em Amsterdam.

Constitui, ao lado de Meditações sobre filosofia primeira (Meditationes de prima philosophia), Princípios de filosofia e Regras para a direção do espírito (Regulae ad directionem ingenii), a base da epistemologia do filósofo, sistema que passou a ser conhecido como cartesianismo. O Discurso propõe um modelo quase matemático para conduzir o pensamento humano, uma vez que a matemática tem por característica a certeza, a ausência de dúvidas.

As Regras

Descartes preocupou-se, desde muito cedo, em formular um método, que permitisse orientar a razão de forma a atingir o conhecimento verdadeiro.

Já no tempo em que estudou em La Flèche, havia inventado um método para disputar em Filosofia, método esse que fazia lembrar alguns procedimentos utilizados pelos matemáticos. Indo contra o método usado naquele tempo nas escolas, que assentava na lógica aristotélica, Descartes procurou antes orientar-se pelo rigor que a matemática lhe fornecia.

Segundo o próprio Descartes, parte da inspiração de seu método (descrito nesse livro/tratado) deveu-se a três sonhos ocorridos na noite de 10 para 11 de novembro de 1619: nestes sonhos lhe havia ocorrido "a ideia de um método universal para encontrar a verdade".

“(...) todas as coisas podem dispor-se sob a forma de séries, não enquanto as referimos a qualquer gênero de ser, como fazem os filósofos que as repartiram nas suas categorias, mas enquanto se podem conhecer umas a partir das outras, de tal modo que, cada vez que se apresenta uma dificuldade, possamos imediatamente dar-nos conta se será útil resolver outras previamente, e quais, e em que ordem.”

Descartes, Regras, Reg. 6, A.T., X, 381.

Assentando no conceito de série, temos o conceito de ordem, conceito  essencial no método cartesiano. A ordem permitia hierarquizar os nossos pensamentos, dos mais simples (dados pela intuição) aos mais complexos (dados pela dedução). É esta a ideia que se distingue na seguinte passagem:

“A ordem consiste apenas nisto: que as coisas que são propostas em primeiro lugar devem ser conhecidas sem a ajuda das seguintes, e que as seguintes devem estar dispostas de tal modo que sejam demonstradas pelas coisas que as precedem.”

Descartes, Respostas às Segundas Objecções

Subjacente ao próprio conceito de método está o do conjunto das regras que o compõem. Descartes formulou quatro regras que analisaremos após a leitura de excertos do Discurso do Método onde o filósofo as descreve:

O primeiro era nunca aceitar coisa alguma por verdadeira, sem que a conhecesse evidentemente como tal: quer dizer, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; e não aceitar nada nos meus juízos, senão o que se me apresentasse tão clara e distintamente ao meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de o colocar em dúvida.O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e quantas fossem necessárias para melhor as resolver.O terceiro, conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até ao conhecimento dos mais compostos; e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.E o último, de fazer sempre enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que estivesse seguro de nada omitir.”

Descartes, Discurso do Método, II Parte, ed. cit., p. 23.


A primeira destas regras é a regra da evidência. Descartes indica com toda a precisão a necessidade de pôr de lado  todo o conhecimento que não tenha um princípio na evidência. Rejeitando todos os conhecimentos provenientes dos sentidos, da imaginação ou de formulações apressadas (precipitação),  recusando as explicações que lhe haviam sido dadas como certas desde a sua infância (prevenção), aceita apenas aquilo que é claro e distinto, aquilo que não pode ser posto em dúvida, isto é, aquilo que é evidente.

A segunda
regra é a regra da divisão, segundo a qual é necessário dividir cada dificuldade ou problema no maior número de parcelas e estudar cada parcela separadamente.

A terceira regra é a regra da ordem. Partir dos fatos mais simples e fáceis para os mais complexos. Nesta regra está implícita a dedução como percurso correto de pensar.

A última das regras é a regra da enumeração, que consiste numa   espécie de revisão de todo o processo, uma visão global de todos os passos que garante que nada tenha sido omitido.

Autoridade da Razão e Autoridade dos Sentidos

Discurso sobre o método foi escrito em vernáculo (os textos filosóficos costumavam ser escritos em latim), de maneira não-doutrinária, pois Descartes tentou popularizar ao máximo os conceitos ali expressos e de maneira não impositiva, mas compartilhada. Em toda a obra permeia a autoridade da razão, a autoridade dos sentidos (ou seja, as percepções do mundo) é particularmente rejeitada; o conhecimento significativo, segundo o tratado, só pode ser atingido pela razão, abstraindo-se a distração dos sentidos. Uma das mais conhecidas frases do Discurso é Je pense, donc je suis (citada frequentemente em latim, cogito ergo sum; penso, logo sou): o ato de duvidar como indubitável, e as evidências de "pensar" e "ser" ligadas. (A forma "penso, logo existo", popularizada por algumas traduções da obra, não é a mais correta, uma vez que identifica o ser com o existir, conceitos diferentes no cartesianismo).

Abaixo uma explicação ilustrada (clique na imagem para ampliar)


O método cartesiano. No preceito ou passo 1, as coisas indubitáveis (círculos marcados com i) passam por um "funil", que impede a passagem de coisas que tragam dúvidas (d). No segundo, as coisas são analisadas, ou seja, divididas para melhor compreensão; no terceiro, procede-se a síntese, ou agrupamento em graus de complexidade crescente. No último passo, as conclusões são ordenadas e classificadas.


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