segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O papel oculto dos números - Arte e filosofia medieval



Primeiramente, a Idade Média tinha paixão pela ordem. Os medievais organizaram a arte como tinham organizado o dogma, o aprendizado temporal e a sociedade.

A representação artística de temas sagrados era uma ciência regida por leis fixas, que não podia ser quebrada pelos ditames da imaginação individual.

A arte da Idade Média é uma escritura sagrada, cujos caracteres todo artista deve aprender.

Ele deve saber que a auréola circular colocada por trás da cabeça serve para expressar a santidade, enquanto a aureola com uma cruz é o sinal da divindade e sempre usada para pintar qualquer uma das três Pessoas da Santíssima Trindade.

A segunda característica da iconografia medieval é a obediência às regras de uma espécie de matemática sagrada. Posição, agrupamento, simetria e número são de extraordinária importância.

A simetria era considerada a expressão de uma misteriosa harmonia interior. O artista fazia o paralelismo dos doze Patriarcas e dos doze Profetas da Antiga Lei e dos doze Apóstolos da Nova, e dos quatro principais Profetas com os quatro Evangelistas.

Esquemas desse tipo pressupõem uma crença fundamentada no valor dos números. E, de fato, a Idade Média nunca duvidou que os números tivessem relação com o poder divino, oculto a nossos olhos.

Esta doutrina vinha dos Padres da Igreja, que a herdaram das escolas antigas e fez reviver o gênio de Pitágoras. É evidente que Santo Agostinho considerava os números como os pensamentos de Deus.

Em muitas passagens ele afirma que cada número tem seu significado divino. “A Sabedoria Divina é refletida nos números e está impressa em todas as coisas”.

Da mesma forma, o edifício do mundo material e do mundo moral está baseado nos números eternos.

Nós sentimos que o encanto da dança está no ritmo, quer dizer, no número; mas temos de ir mais longe, a beleza é em si uma cadência, um número harmonioso. A ciência dos números então é a ciência da ordem do universo, e os números nos ensinam sua ordem profunda.

Alguns exemplos nos fornecem certa ideia do método. De Santo Agostinho em diante todos os teólogos interpretaram o significado do número doze da mesma forma.

Doze é o número da Igreja universal, e foi por razões profundas que Jesus quis que o número de Seus apóstolos fosse doze. Agora, doze é o produto de três vezes quatro.

Três, que é o número da Trindade e, por conseqüência, da alma feita à imagem da Trindade, simboliza todas as coisas que são espirituais. Quatro, o número de elementos, é o símbolo de coisas materiais – o corpo e o mundo – que resultam de combinações dos quatro elementos.

O significado místico da multiplicação de três por quatro é a infusão do espírito na matéria, de proclamar as verdades da fé para o mundo, para estabelecer a Igreja Católica, de que os Apóstolos são o símbolo.

Os Doutores que comentaram a Bíblia nos ensinam que, se Gedeão partiu com trezentos companheiros, não foi sem alguma razão simbólica e que o número esconde um mistério.

Em grego, trezentos é representado com a letra Tau (T). Mas o T é a figura da Cruz; portanto, por trás de Gedeão e de seus companheiros, devemos ver Cristo e a Cruz.

A Divina Comédia de Dante é o exemplo mais famoso, pois está ordenada em função de números. Os nove círculos do inferno correspondem aos nove terraços do monte do Purgatório e aos nove céus do Paraíso.

Nesse poema inspirado, nada foi deixado apenas à inspiração; Dante determinou que cada parte de sua trilogia deveria ser dividida em trinta e três cantos, em homenagem aos 33 anos da vida de Cristo. Dante aceitava a lei que rege os números como um ritmo divino, ao qual o universo obedece.

(Autor: Émile Mâle, The Gothic Image: Religious Art in France of the Thirteenth Century, New York, Harper, 1958, pp 1-2, 5, 9-15, 29).



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