quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O sexo no Mundo Moderno – Julius Evola



O papel que o sexo desempenha na civilização atual é sobejamente conhecido, e assim poder-se-ia, sem dúvida, falar atualmente duma espécie de obsessão do sexo. Em tempo algum a mulher e o sexo ocuparam tão insistentemente o primeiro plano. Dominam sob mil formas diversas a literatura, o teatro, o cinema, a publicidade, toda a vida prática contemporânea. A mulher é apresentada sob mil aspectos, para constantemente atrair o homem e o intoxicar sexualmente. O strip-tease, costume americano trazido para a cena e oferecendo o espetáculo duma jovem que lentamente se despe, despojando-se uma a uma das peças de vestuário mais íntimas até ao mínimo necessário para manter nos espectadores a tensão própria a esse “complexo de espera”, ou estado de suspense, que a nudez imediata, completa e impudica destruiria, tem o valor dum símbolo que resume tudo aquilo que nos últimos períodos da civilização ocidental se produziu em todos os domínios sob o signo do sexo. Utilizaram-se para este efeito os recursos da técnica. Os tipos femininos mais fascinantes e excitantes já não são, como outrora, conhecidos apenas nos espaços restritos dos países onde vivem ou onde se encontram. Atualmente esses tipos são cuidadosamente selecionados e exibidos de todas as maneiras possíveis pelo cinema, as revistas, a televisão, os desenhos animados, etc., e, sob a forma de atrizes, “estrelas” e misses, tornam-se o centro dum erotismo cujo raio de ação é internacional e intercontinental, ao mesmo tempo que é coletiva a sua zona de influência, não povoando as camadas sociais que noutros tempos viviam dentro dos limites duma sexualidade normal e anódina.

Importa pôr em relevo o caráter de celebridade desta pandemia moderna do sexo. Não se trata de impulsos mais violentos que se manifestam apenas no plano físico, dando origem, como em épocas passadas, a uma vida sexual exuberante, desinibida e até mesmo libertina. Hoje em dia o sexo impregnou, pelo contrário, a esfera psíquica, produzindo nela uma gravitação constante e insistente no sentido da mulher e do amor. Deste modo ter-se-á como pano de fundo, no plano mental, um erotismo que apresenta dois caracteres importantes: em primeiro lugar o caráter duma excitação difusa e crônica, quase que independente de toda a satisfação física concreta, visto perdurar como excitação psíquica; em segundo lugar, e em parte como consequência de tal, este erotismo poderá até coexistir com uma castidade aparente. Relativamente ao primeiro destes dois pontos, constitui um fato característico pensar-se atualmente muito mais no sexo do que em épocas passadas, quando a vida sexual era muito menos livre e os costumes, limitando ainda mais uma livre manifestação do amor físico, poderiam justamente levar a esperar essa intoxicação mental que é, afinal, típica dos nossos dias. Quanto ao segundo ponto, são muito significativas certas formas femininas de anestesia sexual e de castidade corrompida relacionadas com o que a psicanálise denomina variedades narcíseas da libido. Trata-se dessas jovens modernas para quem a exibição da nudez, a acentuação de tudo quanto as possa apresentar como motivo de atração para o homem, o culto do corpo, a maquiagem e tudo o mais, constituem o interesse principal, proporcionando-lhes um prazer transposto que é preferido ao prazer específico da experiência sexual normal e concreta, até provocar uma espécie de insensibilidade relativamente a esta experiência e, em certos casos mesmo, uma recusa neurótica (4). Estes tipos femininos deverão ser contados entre as fontes que em mais alto grau alimentam a atmosfera de luxúria cerebral crônica e difusa do nosso tempo.

Tolstoi disse um dia a Gorki: “Para um francês existe, acima de tudo, a mulher. É um povo extenuado e destrambelhado. Os médicos afirmam que todos os tísicos são sensuais”. Excluindo o caso dos franceses, permanece contudo verdadeiro o fato da propagação pandêmica do interesse pelo sexo e pela mulher marcar cada era crepuscular, e deste fenômeno constituir, nos tempos modernos, um dos muitos indícios de que esta época representa precisamente a fase mais aguda e final dum processo de regressão. Mais não poderá fazer-se do que relembrar as ideias formuladas pela antiguidade clássica, baseadas numa analogia com o organismo humano. No homem, a cabeça, o peito e as partes inferiores do corpo são, respectivamente, os centros da vida intelectual e espiritual, dos impulsos da alma que vão até à capacidade heroica e, finalmente, da vida do ventre do sexo.

Correspondem-lhe três principais formas de interesse, três tipos humanos e, poder- se-ia mesmo acrescentar, três tipos de civilização. É evidente que, nos tempos atuais, e por efeito duma regressão, se vive numa civilização em que o interesse predominante já não é de ordem intelectual ou espiritual, nem mesmo heroico ou qualquer outro relacionado com as manifestações superiores da afetividade, mas sim aquele, sub-pessoal, determinado pelo ventre e pelo sexo. Estamos, assim, sob a ameaça de se tornar verdadeira a frase infeliz dum grande poeta, para o qual seriam a fome e o amor que dariam forma à história. O ventre é, atualmente, a base de todas as lutas sociais e econômicas mais características e desastrosas. A sua contrapartida está, como acima mencionamos, na acentuada importância que tem nos nossos dias a mulher, o amor e o sexo.

A antiga tradição hindu das quatro idades do mundo oferece-nos, na sua formulação tântrica, um outro testemunho. Uma das características fundamentais da última destas idades, daquela que tomou o nome de idade obscura (kali-yuga), seria a de Kālī ter sido nela despertada — isto é, libertada — inteiramente, ficando a época marcada pelo seu signo. A doutrina tântrica formula, a este respeito, uma ética e indica uma via que em épocas anteriores deveria ter-se condenado, ou então mantido secreta: a de transformar o veneno em remédio. Tal não sucede, porém, na atualidade, pois ao considerarmos o problema da civilização não devemos criar ilusões baseadas em perspectivas deste gênero. O leitor verificará mais adiante a que plano se referem as possibilidades que acabamos de assinalar. De momento podemos apenas reconhecer a pandemia do sexo como um dos sinais de caráter regressivo dos tempos atuais: pandemia cuja contrapartida natural é essa ginecocracia, essa proeminência tácita de tudo o que é direta ou indiretamente condicionado pelo elemento feminino e cujas manifestações na nossa civilização indicamos igualmente em outras ocasiões (5). Neste contexto particular, aquilo que será posto em evidência relativamente à metafísica e à utilização do sexo, não poderá servir, contudo, senão para fixar alguns pontos de vista, conhecidos os quais teremos a revelação direta, verificada também neste domínio, da queda do nível interior do homem moderno.


(4)L. T. WOODWARD mencionou igualmente uma forma de sadismo psicológico através do qual as mulheres de hoje “exibem prodigamente o próprio corpo, afixando-lhe, contudo, um cartaz simbólico com os dizeres ‘proibido tocar’”. Poderão ser consideradas provocadoras deste tipo: a jovem que se apresenta de biquíni reduzidíssimo, a senhora de decote provocante, a jovem que caminha pela rua envergando calças justíssimas ou “mini-saia” que deixa ver metade da coxa, e que desejam ser admiradas mas não tocadas, sendo capazes, caso tal aconteça, da maior indignação.

(5)Cfr. J. EVOLA, Rivolta contro il mondo moderno, Milão, págs. 422-423; Comentário a J. J. BACHOFEN, Le Madri e la virilità olímpica, Milão, 1949, págs. 14 e ss. Constitui também sinal da vinda da «idade obscura» o momento em que “os homens se sujeitaram às mulheres, e se tornaram escravos do prazer, opressores dos seus amigos, dos seus mestres e de todos aqueles que mereciam respeito”. (Mahânirvâna-tantra, IV, 52).

Parahyba Pagã

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